sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Identidade

Era demasiada confusão. Estremecia em pensamentos que a lugar algum o levavam. Misturava vozes, não sabia as definir. Pensou em apagar as luzes e assim remediar-se no silêncio do escuro. Não havia silêncio. Já não sabia definir as sensações porque sequer sabia o que estava sentido. Tentou chorar, fez esforço, mas derreteu-se em caretas. Estava resoluto, não era confusão, era ausência. Não era mistura, era vazio. Não havia pensamentos, havia incertezas. Incertezas vãs sobre dúvidas que ainda estariam por vir, pois agora não existiam. Era isso. Inexistência. No limiar entre o ser e o não ser. Deitou-se. Tentou perder-se, partir em fuga, mas falhou esta missão também. Estava preso a si e de si não era possível fugir. Quis ser outro, quis começar de novo, quis estar num lugar desconhecido, quis conhecer outras pessoas, quis viver outras histórias. Não sabia quem era nesse instante. Saberia um dia? Prendeu-se a essa questão. Tomou rumos. Voltou a se perder várias vezes. Sobreviveu ...



Escrito em 16/09/2012

domingo, 23 de agosto de 2015

Asas

Caído. Ao redor nem mesmo as folhas, o chão não poderia estar mais limpo. Um vento, não típico daquela época, ecoava com os barulhos algozes de um inverno sem fim. Não era inverno. Passos apressados seguiam um caminho que parecia ser único, irremediável, incontestável. Não era o único. Vozes, umas suaves, outras nem tanto. Gritos, encontros, reencontros, desencontros. Caído. Suor, olhares, cansaço, dever, calor. Caído. Números, cores, notícias, sombras. Caído. Ternos, uniformes, jalecos, casual, esportivo. Caído. Raquetes, bolas, livros, calculadoras, agendas, óculos. Caído. Buzinas, travessias, passagens, idas, voltas. Um cruzar com tantos, sem interagir sequer com um. Caído.


Pobrezinho ...


... o passarinho ...

... caído.




Escrito em 03/10/2011

sábado, 22 de agosto de 2015

Calmaria

Chegou com grande dificuldade. Mal pôde abrir a porta e, cambaleando, passou pela sala. Machucou o joelho na mesinha de centro e se esticou com toda força para chegar ao banheiro. Sentado no chão depositou no vaso aquilo que lhe havia de pior. Rastejou-se até o quarto, onde notou que a grande cama estava bem arrumada. Sensação de longa ausência - incoveniente. Não retirou o que sobrava na cama, simplesmente deitou-se. Vestido como estava, ainda de sapatos, permaneceu até a manhã seguinte. Não conseguiria dormir. Sua mente parecia mesmo estar prestes a explodir. Sensações, pessoas, cores, olhares. Movimentos muito acelerados para alguém deitado em posição fetal. Pensou cochilar de olhos abertos, pois fechados o mundo lhe parecia mais evidente. Fracassou. Fora tomado de sentimentos que não sabia exatamente quais eram. Talvez medo, dor, quem sabe angústia, uma fúria por calmaria. Desejos que não se explicitavam pela razão. Quisera algo, mas não sabia o que era, apenas o que não. Não queria uma nova manhã, outro dia de sol, ver o mar ou passear pelo parque. Não era sobre o futuro, mas sim sobre o passado. Desejo de ter dito o que não disse seja porque não teve vontade, porque não lhe convinha ou sequer pareceu-lhe digno. Desejo de regresso que já agora não se sustentava. Agora. Aquietou-se o quanto pôde na contramão de uma mente que não se acalentava. Levantou-se tempestuoso quando já de manhã a campainha tocara. Recebera as flores ... os sinceros sentimentos.




Escrito em 06/10/2011